sexta-feira, junho 30

Se eu soubesse a porcaria em que iria me meter, teria dado um fim nessa história antes que ela começasse a ser escrita.

Ali, bem ali, um semblante de mau. Um pouco à direita, um olhar curioso. Mais ao fundo, um pouco mais ao fundo, uma expressão abobada. Restos juvenis. Tão-somente, restos juvenis. Vidas perdidas. Breves brisas. Ali se posicionam e permanecem, estáticos – estátuas disformes. Sentados, cada qual em sua carteira, lendo e escrevendo. Não há sedução nas entrelinhas. Apenas mistério e pó. Eles continuam ali com seus rostos de vazio inexpugnável. São eles. Sempre eles. Estão sufocados... como eu. E na ânsia sôfrega de respirar, eles roubam a minha fração. Fico como eles, sufocado como eles, vazio como eles. Talvez, um pouco pior. Por isso, não faço movimentos. Apenas observo-os. Vidas perdidas e sufocadas. Mas, tento me concentrar: com um pouco de esforço, vencerei os últimos cinco minutos das minhas aulas. Odeio os cinco minutos finais das minhas aulas. Para ser sincero, odeio os cinco minutos finais de qualquer coisa.
Levanto-me. Dou uma risadinha com o canto esquerdo da boca (costumo ser detalhista nos momentos mais inadequados). E, sem mais nem menos, arremato:
- Se acham que se provarão fortes guardando segredos, receio informar-vos: sois ilustres súditos da Estupidez.
Deixo a sala e vinte confusos alunos para trás.
Olho para o meu relógio.
Ainda faltavam três minutos para o fim da aula.

Eu subo a Lauro Werneck, curvado sob o peso da derrota em meus ombros, sentindo os golpes furiosos do sol causticante em minha nuca. Sinto. Sinto algo. Sol causticante ou brisa suave – pouco importa. Sinto, e basta. Também sinto a companhia dela. Muito prazer, senhora Derrota! Será que me permitiria fazer-lhe companhia? Ela sempre sorri gentilmente quando a confronto com essa questão. Então, começo a rir com escarninho – não sei rir de outro jeito, principalmente quando contemplo minha história. Não sou mesmo a melhor companhia da nobre senhora supracitada? Aos dez anos, queria ser cantor de rock. Aos quinze, escritor. E agora, aos vinte e oito, leciono... e converso sozinho pelos corredores. Grande Messina! O louco Messina! Sou tão inatingível quanto a totalidade dos meus sonhos.
Nesse momento, alguém emparelha comigo, enquanto caminho. Não olho de lado para ver quem é. Ainda não. Cansaço, preguiça. Uma combinação das duas coisas.
- Frase maluca a sua, hein, professor? Quê quis dizer com aquilo?
A voz é feminina. Uma voz suave. Ainda há remanescente suavidade no mundo??? Parece que sim.
Com muito esforço, viro a cabeça em sua direção. E sorrio – dessa vez, com o canto direito da boca.
- Isso é segredo.
Ela ri. Parece que entendeu a piada. Sou bom com piadas. Vivo uma há vinte e oito anos.
- Você é o professor mais doidão que eu tenho.
- Considerando que vivemos num hospício chamado Terra, então, acho que já estou perfeitamente enturmado.
Ela ri, novamente.
- Falou – diz ela, batendo em minhas costas. Eu já mencionei que odeio que batam em minhas costas?
Ela se vai. A garota de voz suave se vai. Comigo, ficam minhas inúmeras questões. De todas elas, uma mais me incomoda.
Seria a Derrota, senhora ou senhorita?

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