quarta-feira, julho 12

Sou o intimidado. O auto-retrato da Apreensão. Carrego, em meu bolso, um bilhete escrito à mão. Uma única frase. Múltiplos sentidos. Como ela soube?, me pergunto. Como a dona Madalena soube dos meus planos com meus alunos?
Mas, afinal de contas, quais são meus planos com eles? Eu não sei. Deveria ter algo planejado. Deveria ter algo, mesmo que não fosse planejado. Mas, nem isso tenho. O que vou dizer para aqueles jovens ansiosos de respostas, sedentos de objetivo? O que eles esperam que eu diga? Eles confiam em mim. Respeitam-me. Eu sei que sim. Mas o que tenho a oferecer àquelas mentes ansiosas de produzir LUZ?
Mão no bolso. Seguro o bilhete. Ele queima como fogo. Bilhete ignescente. Tremo. Nessas horas, sempre tremo. Foi ela. Dona Madalena. Ela me ameaça. Usa de alusões, não é objetiva. Talvez acredite que assim me torturará ainda mais. E está certa. Não sei exatamente do que ela é capaz, mas sei que é perfeitamente capaz. Um milhão de coisas maquiavélicas devem passar por aquela mente doentia. Não quero fazer parte de sua estatuaria, nem servir de refeição para seus lobos. Medusa e meu fim – parentes em primeiro grau.
Saio mais cedo do pensionato. O sol ainda não nasceu – eu, tampouco. O céu ainda é cinza – sorrio para ele diante de sua cor inóspita e familiar. Obrigado por homenagear minha vida!
“Deixe seus alunos em paz”.
Procuro afastar de minha mente, mesmo que por uma fração dos meus vagos instantes, o intimidativo gesto meduseu. Concentre-se no seu compromisso de logo mais, repito. Concentre-se...
Mas a concentração sucumbe quando alguém que se aproxima por trás.
- Deu de madrugar agora, meu velho?
É o Lucas. Deve ter me visto saindo do pensionato, e veio atrás.
Satisfazendo sua curiosidade, digo para o Lucas que estou envolvido com meus pensamentos. Explico, resumidamente, sobre a reunião de logo mais, mas não falo nada sobre o bilhete – “ou jamais encontrarás a saída deste hospício”. Ele fica excitadíssimo com a notícia do encontro no Piano Bar. Fica gesticulando, falando que agora sim a contracultura vai ser esfolada até o osso, que Maringá pariu a salvação da cultura mundial, que o mestre Messina isso, que o mestre Messina aquilo.
Fico olhando para o garoto enquanto ele gesticula. Ele é sorvido para um universo imperado pelo seu ânimo; ele movimenta as mãos como um maestro, ignorando tudo ao seu redor. Lucas tem poder de decisão. Lucas tem paixão. Um entusiasta. Arrebatado por suas crenças, ele é o Senhor da Exaltação. Sinto uma pontada de inveja. Queria ser como ele. Queria ser uma fração de Lucas. Apenas uma fração me bastaria. Gostaria de deixar de ser o covardão que sou e, pelo menos por um dia, ser Lucas, o entusiasta.
- Que bicho te mordeu, Messina?
- Ahn? Não... não é nada. Seguinte: apareça hoje no Piano Bar. Se quiser, avise a Cris. Acho que ela vai gostar de participar.
Participar do quê, meu Deus?, me pergunto, ainda sem saber o que o encontro de hoje a noite, reserva.
Lucas dá uma gargalhada.
- Sei não, Messina. Acho que não vai dar pra Cris ir, não.
- Por quê?
- Ela entrou pro Greenpeace. Disse que quer salvar a natureza e ai de quem cruzar o caminho dela. Grande Cris! A essa altura, já deve estar caindo no mundo.
Sorrio com a parte superior do canto direito da boca. A satisfação, nesse momento, invade minha vida.
E a razão é que, pelo menos a Cris conseguiu exterminar os seus pontos de interrogação.

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