segunda-feira, julho 17

"Ociosa juventude
De tudo pervertida
Por minha virtude
Eu perdi a vida.
Ah! Que venha a hora
Que a alma enamora"
– Arthur Rimbaud


"Não adianta reclamar do pouco tempo que nos resta
Nos resta aproveitar antes que seja tarde
Só temos uma escolha:
Um momento apenas
Ou a vida inteira pra se arrepender"
– Humberto Gessinger

Caminho. Logo vai amanhecer. Quero raios de sol ou ainda me encanto com céus nublados e cinzentos? Falta-me ousadia para responder.
Mais uma vez deixei uma madrugada se descarregar sobre a mesa de um bar. Conversas filosofais. Discussões acaloradas. "Invidas" querendo ser vidas. Estamos cansados desse ritmo, desse "desvidar". Vida, por que insistes em fugir de mim?
Caminho de volta ao pensionato, ao lado de Lucas que gesticula e se esgoela – ele poderia acordar a vizinhança. Mas, dessa vez, não sinto meus restos ficando para trás. É estranho e, ao mesmo tempo, magnífico. Sabe o que significa caminhar e não sentir as sobras de toscas frações ficando para trás? Respeitem-me: sou Messina. O Inteiro Messina.
A reunião de horas atrás foi boa enquanto apenas uma informal discussão. Não sei aonde tudo isso vai dar. Não sei coisa alguma. Mas senti satisfação em ver atmosferas cinzentas ganharem cor. Atmosferas coloridas. Jovens discutindo seus projetos com paixão. Não eram máquinas programadas para construírem Nadas. Não os vi como restos juvenis, vidas perdidas, breves brisas. Dessa vez, eram homens elucidativos, senhores de toda situação. Por isso, mantive-me aquém durante toda a noite. Lancei a idéia, nada mais. Um observador interessado. Um observador diante de múltiplas mentes grandiosas criando, mentalizando, concentrando-se no amanhã. Eles se sentiram vivos. Sentiram-se essência vívida de um universo de criatividade, paixão contida e incontida.
E eu – apenas um observador interessado.

Chegamos enfim ao pensionato. Todos ainda dormem. Se Lucas não calar a boca, em cinco segundos todos estarão acordados. Não gostaria de ver dona Madalena sendo acordada tão cedo. Seu mau humor matutino somado ao seu diário mau humor clássico deflagraria tamanho ímpeto de furor que seria capaz de gerar a Terceira Guerra Mundial.
Lucas vai para o seu quarto ainda com sua conversa animada sobre o "movimento cultural". Quanto a mim, preciso voltar ao meu quarto e, em três horas, à minha rotina indomada do inalterável professor de literatura. Ou será que estou me enganando? Será que dessa vez acenarei adeus para a senhora (ou senhorita?) Derrota? SERÁ???
Estou em frente ao quarto dela, dona Madalena. A impiedosa e cruel Medusa. Ela deve dormir. Ela dorme. Um sono profundo. Ronco. Ouço o som cavernoso vibrando porta e paredes. Levo a mão à maçaneta. Hesito. O que estou querendo fazer? Conhecer o templo sombrio da senhora destruição? Eu nunca vi esse quarto. Ela sempre mantém a porta fechada. Sempre. O que ela guarda ali? Suas vítimas estatuárias? Objetos medievais de tortura? Não sei e não quero saber. Temo ver tamanho horror ali, horror marcante e traumatizante. Ouço um uivo. Seus lobos. Suas feras. Afasto minha mão da maçaneta como se fosse possível pegar uma doença contagiosa. E quem há de negar que nisso tenho toda a razão?
Vou rapidamente para o meu quarto. Quando acendo a luz, deparo-me com um assustado Raul. Ele me olha como quem tem uma péssima notícia.
- O que houve, amigo? – pergunto.
Ele inclina a cabeça na direção dos meus pés. E então vejo um papel dobrado, no chão. É um bilhete. E nele está escrito:

"TUA REBELDIA SERÁ TUA SENTENÇA, AMIGO. TEUS SONHOS DE UM SENTIDO NA VIDA É PURA TOLICE. OU ME ESCUTA AGORA, OU, ENTÃO, DIGA ADEUS, MESSINA"

É nesse momento que me convenço de que minha vida corre perigo.

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