sexta-feira, agosto 4

Se alguém pudesse ver meu semblante, acredito que apontaria um dedo para mim e exclamaria: “Vejam, é o Assombro!!!”.
Assombro. Angústia. Tormenta. É difícil encontrar uma palavra para me classificar, neste momento. Sou indefinível. Deformações de sentimentos e pensamentos numa conjugação inesperada. Sou as migalhas desprezadas pela realidade. E a razão de tudo isso é o interior do quarto da dona Madalena.
Confesso que me preparei para ver esquifes, morcegos, restos mortais, e a mais aberrante de todas as visões, a própria Medusa. Eu não me surpreenderia se me deparasse com jovens universitários petrificados após, inadvertidamente, olharem para os olhos dela. Mas o que vejo aqui dentro consegue me desestruturar. Ao invés de visões assustadoras, tenho diante de meus olhos um quarto comum, e figuras de Rimbaud e Humberto Gessinger, respectivamente, coladas nas extremidades da parede.
Entro. Cuidado. Olho ao redor. Que quarto é esse? Onde ela está? Algo está fora do lugar. Ou melhor, tudo está. Nada do que há entre essas quatro paredes deveria estar aqui. Rimbaud? Gessinger? Ela tem me investigado. Sabe dos meus passos. Copia meus projetos, mergulha nas minhas pesquisas. Uma espécie de idolatria. Uma idolatria insana. O que essa mulher quer de mim? Por que me persegue?
Ouço um barulho atrás da cama. Meu coração torna-se célere – mais ainda. Deve ser ela. Prepare-se, Messina. Mas não é. De trás da cama, sai um cão que vem para cima de mim, o rabo abanando. Ele começa a me lamber.
- Ei, garoto, como vai? Então é você que tem uivado todas essas noites?
Parece que ele gostou de mim. Não sabia que dona Madalena tinha um cachorro. E eu que pensei que fossem lobos! Na coleira do cachorro há uma inscrição, um nome. O nome dele. Por Deus, o nome do cachorro é... RAUL!!!
Alguém bate na porta. Olho assustado. É um dos jovens que mora no pensionato.
- E aí, Messina. Vim pagar o aluguel.
Ele me estende um dinheiro. Olho para ele, para o dinheiro, para ele novamente.
- Por que está me dando isso?
Ele faz uma cara estranha. Não mais estranha que a minha, imagino.
- Ora, porque eu honro meus compromissos. – Ele soou cômico, como se quisesse fazer uma piada. Mas não rio. Deveria?
Ele mantém a mão estendida. Situação embaraçosa. Raul, o cachorro, nos observa, curioso. Não apanho o dinheiro. Por fim, ele desiste e acaba colocando o dinheiro sobre a cama. Não me pergunta nada. Apenas me diz antes de sair:
- Depois me dá o recibo, hein maluco. Vou cobrar.
O tal Raul recomeça a me lamber. O dinheiro continua imóvel sobre a cama. Até parece piscar para mim. O que está acontecendo? Alguém, por favor, me diz o que está acontecendo.
Olho ao redor novamente. Então vejo. Um espelho ao lado do guarda-roupa. Não sei porque numa situação confusa como essa resolvo me olhar num espelho. Mas faz tanto tempo! Lentamente vou até ele. Um passo após outro. O Raul me segue, me lambendo. Depois de tanto tempo, vou me olhar num espelho. Será que isso poderá esclarecer alguma coisa ou será que ficarei ainda mais confuso?
Quando meu olhar se choca com meus olhos no reflexo, sou instantaneamente petrificado. Meu organismo pára. Coração, pulmão, o sangue em minhas veias. Não consigo me mover. Uma estátua no quarto de dona Madalena. Respire Messina, respire. Não consigo. Tente respirar, miserável. Eu não consigo. Se não respirar vai morrer. Não posso. Tento, mas não consigo. Vejo suor brotando em meu rosto – a única coisa que se move em mim é este humor aquoso que desce pelo meu rosto.
Sou uma estátua que sua. Uma estátua apavorada diante da mais assustadora visão de sua vida.
No reflexo do espelho me vejo – o mesmo rosto de Lucas – e sobre minha cabeça, o horror... Sobre minha cabeça, há bem mais de uma dezena de serpentes furiosas.
E a aterrorizadora verdade se estampa no meu rosto congelado, à medida que o elixir de minha vida deixa o meu corpo.
Eu sou a Medusa.

1 Comments:

At 5/8/06 17:16, Anonymous Anônimo said...

Realmente um brilhante relato sobre as personalidades de uma mesma pessoa, ou seja os antagonismos que todos nós carregamos! Gosto do seu Texto Messina...e eu tbm já passei de rocker, revolucionário das arábias...hoje assino como Normalindo Junior!
Pois minha mais nova teoria a normalidade é a melhor loucura possível...impossível não se sentir bem com a certeza de que o sol nasce todos os dias no mesmo horário!
Um abraço

Ass: Normalindo Junior

 

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